sábado, 17 de maio de 2014

Abre aspas

Eu nem sei o que eu daria para escrever assim

(algumas coisas ficam soltas sem o contexto, mas considerando que outras ficam soltas mesmo com o contexto eu vou deixar assim mesmo, sem legendas para entendimento dos detalhes. O principal é a música, mesmo)
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"The years were never an element, because my parents didn't age, they simply sickened. My father was mean and cocky like Cagney all the way to the dump. Flat on his back, his bones poking this way and that like the corpses in the camps, he still had a fiery eye, as though, but for those two coals, the grate held ash. There's no easy way out of this life, and I do not look forward to the day they put those tubes up my nose, and a catheter shows my pee the way out like some well-trained servant. I saw how my father's body broke his spirit like a match; and I saw how my mother's broken spirit took her body under the way a ship sinks after being disemboweled by an errant berg of ice.
My father suffered thirty years of pain. A continent could call it a war. It was an unjust fate. It was undeserved. And my mother drank for nearly the same, although she beat my father to the grave by a good five, having decayed for a decade before they lowered her away - a leftover spoiling in the light. Fare thee well, I say, now that the words have no designation.
My father taught me how to be a failure. He taught me bigotry and bitterness. I never acquired his courage, because I caught a case of cowardice from my mother - soft as cotton - and I was born with her desperate orality, her slow insistent cruelty - like quicksand - her engulfing love.
My mother drank to fill her life with the warmth which had long ago leaked out of it; and my father hurt like hell because his mother had, because he had inherited the wrong proclivities, his arthrities an arch between two sagging generations.
My mother drank to let down her guard and allow her dreams to flood her like the cheap enamel basin they would later furnish her to puke in; while the aspirin my father fed on put a hole in his stomach like the one I have, having inherited the wrong proclivities, too - passivity like pavement over a storm.
My mother drank because, at menopause, she missed the turn and struck a wall, her hormones went out of balance like the weights of a clock, and she couldn't tell time anymore; while my father held two jobs, one at his architect's office and another at the store, because the Depression practically wiped out his practice, and Feeney's, also desperate, took him in at a family rate to let two others starve, and changed its name at the same time to FEENEY'S FAMILY FURNITURE, not so much to honor my father's presence as to justify the junk the store now stocked; and there he worked long heartless hours, a foot backward in its shoe, filling the blank side of unused bills of sale with plans for gingerbread houses, garages too grand for their cars, gas stations designed as castles, banks like forts, stores in the cute shape of their specialty (often shoes), bars which were made entirely of glass brick, churches which were all spire, and little neighborhoods which were nothing but wall; then, as the world began to recover, my father's wasted efforts having bled his strength, he began to decline, and soon couldn't draw anymore, and soon couldn't sell sofas either, only sit in them, until they became too low and soft and mortal for him, his cane like a tree towering over him, his strength only in the grit of his jaws, in a mean streak now grown green and brave.
My mother had no steel. All puff - though sensitive - she was a cotton wad, and powdered her nose instead of washing it, and painted her nails instead of cleaning and cutting them, though when her hand shook, color crossed the cuticle, and sometimes the tips of her fingers were red. So she drank to the point of suicide, because a life which not only lacked love, but couldn't even catch a little indifference, like a net to contain air, was intolerable, because she hadn't a single god, or goddamned thing to do, or anything she could look back on as done - completed or accomplished - only one pleasureless screw which produced an ingrate and a monster upon which she nevertheless pinned her hopes with exactly the same chance for success as anyone would who tried to drive a nail into a passing cloud - a son to whom she threw her soul and considerable peril, like a stone into a paper boat"
(The tunnel, William H Gass)

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Teorema Dixie Kong de relativismo interpretativo

No clássico Donkey Kong Country 2, os desenvolvedores do jogo encararam o desafio de fazer uma sequência para um sucesso estrondoso como o do jogo original seguindo o caminho da dificuldade aumentada: o que o primeiro jogo tinha de difícil-só-às-vezes o segundo tinha de crueldade quase constante. Para dar uma variada na jogabilidade quase idêntica (joguinho de plataforma estilo Mario em seu auge, naquela época), trocaram o personagem-protagonista, Donkey Kong, por uma macaquinha, Dixie Kong, talvez a primeira protagonista feminina em jogo de plataforma tradicional graúdo da Nintendo (Metroid não conta) desde a princesa peach naquele Mario 2 malucão.

O Dixie Kong tinha uma característica especial: ao pular, poderia flutuar um tempinho antes de cair se o jogador segurasse o botão do pulo. Em um jogo com vários buracos-sem-fundo a serem evitados para conseguir se chegar até o fim das fases, trata-se de algo próximo de um super-poder: ao conseguir a personagem, imediatamente troca-se para ela, a não ser que o jogador prefira economizar esta capacidade para momentos ainda mais difíceis, ficando com o personagem mais fraco só para que ele poder morrer primeiro.

Dilema discussão-de-gêneros: como entender este super-poder? A Dixie sendo melhor do que o personagem masculino de imediato aponta para um empoderamento num esquema girl-power, we can do it (mulher mostrando o muque), a preterição um caso raro se tratando de algo fora do espectro tido como feminino (cuidar de casa, doente, neném, etc) de atividades. Mas se pensarmos no esquema identificativo que existe em personagens de videogames (brasileiros de início se revoltam com o Blanka sendo daquele jeito, faz-se pesquisas sobre World of Warcraft perguntando a jogadores homens que jogam com personagens femininas o porquê deles fazerem isto, etc), é possível pensar que a personagem feminina sendo mais forte existe para que as garotinhas que fossem jogar o jogo e automaticamente escolher a macaquinha (olha o cabelo dela!) teriam menos dificuldade na hora de enfrentar os desafios do jogo. Neste caso, seriam os desenvolvedores colocando a habilidade das jogadoras abaixo da dos jogadores, dando a elas uma ajudinha.

E aí, o jogo é feminista (girl power!) ou machista (“vamos facilitar para as meninas...”)?

Podemos ainda colocar mais duas possibilidades: pode ser uma homenagem ao Mario 2, do NES, em que a princesa peach tinha poder semelhante, ou os desenvolvedores do jogo decidindo depois de desenhar todas as fases que a dificuldade do jogo precisava de uma atenuada e que a personagem nova poderia comportar mais facilmente poderes novos do que o personagem que já aparecia (sem este poder agora tão necessário) no jogo antigo. Seria esse poder um aceno para o histórico dos jogos da Nintendo ou uma questão técnica de design de jogos?

É possível pedir uma resposta aos desenvolvedores de jogos, mas aí a pessoa que faz isto esquece de que nossos atos não se resumem à nossas intenções (demorei pra sacar que intentional fallacy tinha cabimento para bem mais do que só literatura). O ato, realizado, está livre para ser interpretado, com o limite apenas (ainda assim frequentemente ignorado) de se prestar atenção às especificidades do ato. Qual desses quatro caminhos interpretativos escolher?

Se a pessoa passou a infância jogando Super Nintendo e tem enorme carinho pelo hobby e hoje anda por esses círculos que discutem gênero, vai adotar a interpretação Girl Power, querendo defender um pouco os videogames dos ataques de lixo-cultural que até hoje resistem em parte do discurso sobre eles.

Se o desejo é de se transmitir a imagem de uma pessoa extremamente crítica, extremamente exigente, extremamente incisiva e dura, vai falar que o poder da Dixie Kong é machista, subestimando meninas, dando a elas a ideia que tudo na vida que vale a pena ser conquistado será conquistado pelo que ela tem de feminino (o poder de flutuar funciona num esquema pigtail-helipcoter, isto é, o cabelinho bacaninha dela que é o poder), etc etc.


Se a pessoa quer pagar de erudito dos videogames (hahahahaha), vai falar que é homenagem ao Mario 2. Se quer pagar de interessado-no-lado-técnico, o-importante-é-o-design-e-jogabilidade, vai falar que o poder é uma necessidade do jogo e que tentar decantar sentido disso é não entender que jogos são sistemas de interação e desafio etc etc