quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Lobo Antunes

Resolvi iniciar 2014 (não sou imune a essas coisas) lendo Lobo Antunes, autor que simplesmente despertou minha sensibilidade para a estilística (esta fissura que hoje me domina, ainda que com objetivos diferentes do que a elegância) quando o li pela primeira vez aos dezenove anos. Ou vinte, não tenho certeza. Nem sempre tenho a energia (ou não-preguiça) de acompanhar sua prosa saltitante-entre-cenas, mas aparecendo do nada coisas como 

"e as cortinas a dilatarem a noite dado que é através dela que as sombras respiram"

certamente fazem valer o esforço. Ainda estou no início, mas no meio do segundo capítulo finalmente pude mais ou menos apreender a forma de organizar a exposição de mundo, personagem e acontecimentos que ele usa nos romances Manual dos inquisidores adiante (a partir do qual ele usa aquele estilo de palavras meio que jogadas na página): é como se as coisas fossem aparecendo meio que num tag cloud ( http://en.wikipedia.org/wiki/Tag_cloud ), sem esquema de tamanho diferenciado, em que o leitor é forçado a montar o mundo em sua cabeça não por uma ordenação razoável dos fatos e sim ir catando estilhaços de algum acidente que aconteceu antes dele chegar. Na maioria dos romances é possível fazer um tag cloud emotivo (sei lá, Machado de Assis seria burguesia - ironia - ceticismo - rio de janeiro, assim adiante, não vão me cobrar isto pelamor), no caso do Lobo Antunes são os próprios eventos que são justapostos fora de um encadeamento cronológico, ou cronológico-remontado (in media res e tal). O cronológico está mais para liquidificado, nos livros dele. 

Não tenho leitura suficiente da ampla literatura de fluxo-de-consciência para poder falar a que ponto isto é coisa dele ou não, mas é verdade também que acho o Ser Original em sua maior parte uma qualidade bastante superestimada em muitas empreitadas artísticas.


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Listinhas de melhor do ano eu sempre fui incapaz de fazer, porque nunca me ative muito a ler um livro por ter sido lançado muito recentemente. Acontece de uma obra ou outra ser lida assim que aparece, mas acho que nem li 5 livros primeiramente impressos em 2013 para poder fazer uma lista 2013 direito. E na verdade não sei também se conseguiria fazer uma lista de livros lidos em 2013 que eu achei memoráveis sem ter que fazer um esforço de memória bem grande (a coisa fica meio embaralhada dentro da minha cabeça) o que acaba por minar a noção de leituras memoráveis, não é mesmo. Sei que ficou muito na minha cabeça o Civilwarland In Bad Decline, do George Saunders, uma mistura de Vonnegut com DFW que conseguiu me impressionar com a sagacidade da sátira e me comover com uma humanidade que irrompe no meio dos estereótipos idiotizados (o pessoal que literariamente estetiza idiotia aqui pelo Brasil poderia bem ler o Saunders), me rendendo vários momentos de erguer-a-cabeça-durante-a-leitura. Foi o suficiente para ter comprado toda a obra em paperback disponível dele. Só que depois fui ler o Pastorlalia e achei uma leitura talvez até abaixo do razoável justamente por ser excessivamente parecido com o Civilwarland, reação minha que me deixou meio perplexo porque eu já imaginava a esta altura (depois de tanto esforço gasto com esta coisa de literatura) já saber mais ou menos o que eu gostava. Enfim, lembrando aqui neste momento sei dizer que este ano eu li The Recognitions, do Gaddis, que de fato é um grande livro (não só um livro grande), mas a fissura com autenticidade não me comove grandemente, e tentei duas vezes (em sequência) começar o Gravity's Rainbow, só que o esquema personagens cardboard cutout feito pelo Pynchon me impediu de seguir muito adiante. E o Middle C do Gass comprovou minha tese que não se escreve grandes obras depois dos oitenta anos (apesar de ótimos trechos aqui e ali).