quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Suicídio como uma espécie de presente

(Continuo na onda de passar o tempo fazendo traduções. Este aqui demorou o dobro do tempo dos dois contos do Barthelme juntos, a linguagem é meio truncada, estranha. Tem umas coisas que não sei se ficaram lá essas coisas, mas de qualquer maneira aí vai. É um dos meus cinco contos favoritos.)

(Os números são notas de pé de página, que coloquei como pé-de-parágrafo para diminuir os scroll-downs)
Suicídio como uma espécie de presente (David Foster Wallace)
Uma vez havia uma mãe que de fato tinha bastante dificuldades, emocionalmente, por dentro.
Da forma como ela lembrava, ela sempre tinha dificuldades, mesmo quando criança. Ela lembrava de poucos dos específicos de sua infância, mas o que ela podia lembrar eram sentimentos de auto-desprezo, terror , e desespero que pareciam estar com ela sempre.
De uma perspectiva objetiva, não seria impreciso dizer que esta futura mãe teve umas merdas psicológicas bem pesadas colocadas em cima dela quando tinha sido menininha, e parte desta merda seria qualificável como abuso dos pais.  Sua infância não tinha sido tão ruim como algumas, mas não tinha sido nenhum piquenique. Tudo isso, embora preciso, não seria exatamente o ponto.
O ponto era que, de uma idade tão inicial quanto ela podia se lembrar, esta futura mãe se odiava. Ela via tudo na vida com apreensão, como se cada ocasião ou oportunidade fosse alguma espécie de exame terrivelmente importante para o qual ela tinha sido preguiçosa ou burra demais para se preparar adequadamente. A sensação era a de que como se uma nota perfeita em tal exame era necessária para poder impedir alguma punição estilhaçante.1 Ela se aterrorizava de tudo, e ficava aterrorizada de demonstrar isto.
1) Os pais dela, a propósito, não batiam nela e nem mesmo a disciplinavam, ou a pressionavam.
Esta futura mãe sabia perfeitamente bem, desde uma idade jovem, que esta constante e horrível pressão que ela sentia era uma pressão interna. Que não era culpa de mais ninguém. E então ela se odiava ainda mais. Suas expectativas de si mesmo eram de completa perfeição, e cada vez que ela ficava aquém da perfeição ela se enchia de um insuportável e mergulhante desespero que ameaçava estilhaçá-la como um espelho barato2. Estas altas expectativas se aplicavam a cada departamento da vida da futura mãe, particularmente aqueles departamentos que envolviam a aprovação ou reprovação de outros. Ela foi, portanto, na infância e na adolescência, vista como inteligente, atraente, popular, impressionante; ela era elogiada e aprovada. Colegas aparentavam invejar sua energia, ânimo, aparência, inteligência, disposição e infalível consideração pelas necessidades e sentimentos dos outros3; ela tinha poucos amigos próximos. Por toda sua adolescência, autoridades como professores, empregadores, líderes de tropa, pastores e conselheiros do Federal Student Aid comentavam que a jovem gestante ‘aparentava ter expectativas muito, muito altas de si mesma’, e enquanto esses comentários eram frequentemente endereçadas em um espírito de preocupação gentil ou repreensão, não havia como não discernir neles certo inequívoco tom de aprovação, - do julgamento imparcial e objetivo e decisão de aprovar – e de qualquer maneira a futura mãe sentia (por um momento) aprovada. E se sentia vista: seus padrões eram altos. Ela tomava certo orgulho abjeto em sua inclemência consigo mesma4
2) Os pais dela tinham sido de baixa-renda, fisicamente imperfeitos,  e não muito inteligentes – características que a criança  se detestava por perceber.
3) As expressões relaxa ou fica tranquilo não tinham àquela época se tornado correntes (assim como merda psicológica; nem abuso de pais ou até mesmo perspectiva objetiva)
4) De fato, uma explicação que os próprios pais da future mãe davam por discipliná-la tão pouco era que sua filha parecia se censurar tão impiedosamente por qualquer insuficiência ou transgressão que discipliná-la pareceria, citação, “um pouco como chutar um cachorro”.
Já pela época em que ela era crescida, seria acurado dizer que a futura mãe de fato estava tendo bastante dificuldades internas.
Quando ela se tornou uma mãe, as coisas ficaram ainda mais difíceis. As expectativas da mãe de sua pequena criança também eram, por fim, impossivelmente altas. E cada vez que a criança ficava aquém, sua inclinação natural era odiá-la. Em outras palavras, toda a vez que ela (a criança) ameaçava comprometer os altos padrões que eram tudo que a mãe sentia realmente ter, dentro, o auto-ódio instintivo da mãe tendia se projetar para fora e para baixo na direção da criança em si. Esta tendência se agravava pelo fato que existia apenas uma separação muito pequena e indistinta na mente da mãe entre sua própria identidade e a da pequena criança. A criança aparentava em certo senso ser o próprio reflexo da mãe em um espelho diminuidor e profundamente falho. Portanto toda vez que a criança era rude, gananciosa, abominável, estúpida, egoísta, cruel, desobediente, preguiçosa, tola, voluntariosa, ou infantil, a inclinação mais profunda e natural da mãe era odiá-la.
Mas ela não podia odiá-la. Nenhuma boa mãe pode odiar sua criança ou julgá-la ou abusá-la ou desejá-la nada de mal. A mãe sabia disso. E seus padrões para si própria como mãe eram, como era de se esperar, extremamente altos. E então toda vez que ela ‘escorregava’, ‘estourava’, ‘perdia sua paciência’ e expressava (ou até sentia) ódio (ainda que breve) pela criança, a mãe imediatamente mergulhava em tamanho abismo de auto-recriminação e desespero que ela sentia que simplesmente não poderia aguentar. Consequentemente a mãe estava em guerra. Suas expectativas estavam em conflito fundamental. Era um conflito em que ela sentiu que sua vida em si estava em jogo: um fracasso em superar sua insatisfação instintiva com sua criança resultaria em uma terrível, estilhaçante punição que ela sabia que seria ela que ministraria, dentro. Ela estava determinada – desesperada – em ser bem sucedida, em satisfazer suas expectativas de si como mãe, custe o que custar.
De uma perspectiva objetiva, a mãe era incrivelmente bem-sucedida em seus esforços de auto-controle. Em sua conduta externa para a criança, a mãe era infatigavelmente amável, compassiva, empática, paciente, calorosa, efusiva, incondicional, e desprovida de qualquer capacidade aparente de julgar ou reprovar ou recusar amor em qualquer forma. Quanto mais desprezível era a criança, mais amável a mãe exigia de si mesma ser. Sua conduta era, por qualquer padrão do que uma mãe extraordinária deveria manter, impecável.
Em troca, a pequena criança, enquanto crescia, amou a mãe mais do que todas outras coisas no mundo colocadas juntas. Se tivesse a capacidade de falar de si verdadeiramente de alguma maneira, a criança teria dito que se sentia ser muito uma criança perversa, detestável que por meio de alguma imerecida jogada de ótima sorte conseguiu ter a melhor, mais amável e paciente e linda mãe do mundo inteiro.
Dentro, enquanto a criança crescia, a mãe se enchia de auto-ódio e desprezo. Certamente, ela sentia, o fato que a criança mentia e trapaceava e aterrorizava os bichos de estimação da vizinhança era culpa da mãe; certamente a criança estava simplesmente expressando para todo o mundo ver suas próprias deficiências patéticas e grotescas como mãe. Então, quando a criança roubou o dinheiro da UNICEF que sua turma tinha recolhido ou segurado um gato pela cauda e golpeado ele repetidas vezes contra a quina da casa de tijolos do vizinho, ela tomou as deficiências grotescas da criança para si própria, recompensando as lágrimas e auto-recriminações da criança com um perdão de amor incondicional  que fez com que ela aparentasse para a criança ser seu único refúgio em um mundo de expectativas impossíveis e julgamentos impiedosos e infinita merda psíquica. E enquanto ele (a criança) cresceu, a mãe tomou tudo que era imperfeito nele bem fundo dentro de si e aguentou tudo e então o absolveu, redimindo-o e renovando-o, na mesma medida em que ela acrescentava ao seu próprio fundo de ódio.
E assim foi, por toda sua infância e adolescência, de tal maneira que, quando a criança era velha o bastante para se registrar para várias licenças e permissões, a mãe estava quase inteiramente cheia, profundamente, com ódio: ódio por si própria, pela criança infeliz e delinquente, por um mundo de expectativas impossíveis e julgamentos impiedosos. Ela não podia, claro, expressar nada disso. E então o filho – desesperado, como são todas as crianças, para retribuir o amor perfeito que só pode se esperar de mães – expressou isto tudo para ela.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Continho do Barthelme traduzido

Gosto bastante desse conto do Barthelme. Por favor não me pergunte o porquê. Aí hoje resolvi traduzi-lo, meio descompromissadamente (com preguiça de pesquisar muito afundo em alguns termos mais difíceis, tipo as cores bizarras que aparecem listadas no meio do conto. Se alguém tiver alguma sugestão/correção, pode comentar aí embaixo). Talvez eu faça mais no futuro, achei divertido.

Montanha de vidro, de Donald Barthelme.

1.        Eu estava tentando escalar a montanha de vidro.
2.        A montanha de vidro fica na esquina da Décima Terceira Rua com a Oitava Avenida.
3.        Eu tinha alcançado a encosta inferior.
4.        Pessoas olhavam para cima na minha direção.
5.        Eu era novo na vizinhança.
6.        Não obstante eu tinha conhecidos
7.        Eu tinha amarrado pitões aos meus pés e cada mão agarrava robusto desentupidor de pia.
8.        Eu estava a uns duzentos pés de altura.
9.        O vento era amargo.
10.     Meus conhecidos haviam se juntado ao pé da montanha para oferecer encorajamento.
11.     “Cretino”.
12.     “Babaca”.
13.     Todo mundo na cidade sabe a respeito da montanha de vidro.
14.     Pessoas que moram aqui contam histórias a respeito.
15.     Ela é apontada para visitantes.
16.     Tocando o lado da montanha, sente-se um frio agradável.
17.     Espreitando para dentro da montanha, vê-se profundidades de azul-branco cintilantes.
18.     A montanha se sobrepõe por cima daquela parte da Oitava Avenida como um esplêndido e imenso prédio de escritórios.
19.     O topo da montanha some para dentro das nuvens, ou em dias sem nunvens, para dentro do sol.
20.     Eu desprendi o desentupidor de pia da mão direita deixando o da esquerda no lugar.
21.     Então eu estiquei e prendi de novo o da direita um pouco mais acima, depois do qual eu avancei minhas pernas para novas posições.
22.     O ganho era mínimo, não dava o comprimento de um braço.
23.     Meus conhecidos continuaram a comentar.
24.     “Filho da puta imbecil”.
25.     Eu era novo na vizinhança.
26.     Nas ruas havia várias pessoas com olhos perturbados.
27.     Veja por si mesmo.
28.     Nas ruas havia centenas de jovens aparecendo em portas, atrás de carros estacionados
29.     Pessoas mais velhas levavam seus cães para passear.
30.     As calçadas estavam cheias de merda de cachorro em cores brilhosas: ocre, cor de umbra, amarelo Marte, sienna, viridian, marfim preto, rose madder.
31.     E alguém tinha sido apreendido derrubando árvores, uma fileira de elmos danificados entre VWs e Valiants.
32.     Feito com uma motosserra, sem dúvida
33.     Eu era novo na vizinhança mas tinha acumulado conhecidos.
34.     Meus conhecidos passavam uma garrafa marrom de mão em mão.
35.     “Melhor que um chute na virilha”
36.     “Melhor que um cutucão no olho com um graveto afiado”
37.     “Melhor que um tapa na barriga com um peixe molhado”.
38.     “Melhor que um golpe nas costas com uma pedra”.
39.     “Ele não vai fazer splash quando ele cair, não?”
40.     “Eu espero estar aqui para ver. Molhar meu lenço no sangue”.
41.     “Tolo com cara de peido”
42.     Eu desprendi meu desentupidor de pia da mão esquerda deixando o da direita no lugar.
43.     E estiquei o braço.
44.     Para escalar a montanha de vidro, precisa-se primeiro de um bom motivo.
45.     Ninguém jamais tinha escalado a montanha em nome da ciência, ou em busca da fama, ou porque a montanha era um desafio.
46.     Aqueles não eram bons motivos.
47.     Mas bons motivos existem.
48.     No topo da montanha existe um castelo de ouro puro, e em uma sala da torre do castelo fica...
49.     Meus conhecidos estavam gritando para mim.
50.     “Dez contos que você se arrebenta nos próximos quatro minutos!”
51.     ... um lindo e encantado símbolo.
52.     Eu desprendi o desentupidor de pia da mão direita deixando o da esquerda parado.
53.     E estiquei o braço
54.     Estava frio ali a 206 pés e quando eu olhei para baixo não fui encorajado.
55.     Uma pilha de cadáveres de cavalos e cavaleiros fazia um anel no pé da montanha, vários homens morrendo e gemendo ali.
56.     “O enfraquecimento do interesse libidinoso na realidade tem recentemente chegado a um fim” (Anton Ehrenzweig)1
57.     Algumas perguntas aglomeravam-se na minha cabeça.
58.     Será que alguém escala uma montanha, passando por considerável desconforto pessoal, simplesmente para desencantar um símbolo?
59.     Será que os egos mais fortes de hoje ainda precisam de símbolos?
60.     Eu decidi que a resposta para essas perguntas era “sim”.
61.     De outra maneira o que eu estaria fazendo ali, 206 pés acima dos elmos motosserrados, cuja carne branca eu conseguia ver da minha altura?
62.     A melhor forma de fracassar a escalada da montanha era ser um cavaleiro de armadura cheia, um cujo cavalo tinha cascos que batem faíscas ígneas das laterais da montanha.
63.     Os seguinte-nomeados cavaleiros fracassaram ao tentar escalar a montanha e gemiam na pilha: : Sir Giles Guilford, Sir Henry Lovell, Sir Albert Denny, Sir Nicholas Vaux, Sir Patrick Grifford, Sir Gisbourne Gower, Sir Thomas Grey, Sir Peter Coleville, Sir John Blunt, Sir Richard Vernon, Sir Walter Willoughby, Sir Stephen Spear, Sir Roger Faulconbridge, Sir Clarence Vaughan, Sir Hubert Ratcliffe, Sir James Tyrrel, Sir Walter Herbert, Sir Robert Brakenbury, Sir Lionel Beaufort, e vários outros.2
64.     Meus conhecidos se moviam entre os cavaleiros caídos
65.      Meus conhecidos se moviam entre os cavaleiros caídos, coletando anéis, carteiras, relógios de bolso, favores de damas.
66.     “Calma reina no país, graças à sabedoria confiante de todos” (M. Pompidou)3
67.     O castelo dourado é guardado por uma águia de cabeça fina com rubis ardentes no lugar de olhos.
68.     Eu desprendi o desentupidor da mão esquerda, perguntando se
69.     Meus conhecidos desprendiam dentes de ouro dos cavaleiros ainda não-mortos.
70.     Nas ruas havia pessoas escondendo suas tranqüilidades atrás de uma fachada de pavor vago.
71.     “O símbolo convencional (feito o rouxinol, comumente associado com melancolia), apesar de ser reconhecido apenas por acordo, não é um signo (como o semáforo) porque, de novo, presumidamente desperta sentimentos profundos e é tido como possuidor de propriedades além do que o olho sozinho vê” (Um Dicionário de Termos Literários)
72.     Uma quantia de rouxinóis com semáforos amarrados às suas pernas passou por mim voando.
73.     Um cavaleiro em armadura rosa pálida apareceu acima de mim.
74.     Ele afundou, sua armadura fazendo pequenos sons de guincho contra  o vidro.
75.     Ele me deu uma olhada de soslaio enquanto passava por mim.
76.     Ele proferiu a palavra “Muerte”4 enquanto ele passou por mim.
77.     Eu desprendi o desentupidor da mão direita.
78.     Meus conhecidos debatiam a questão, qual deles ficaria com meu apartamento?
79.     Eu revisei as formas convencionas de alcançar o castelo.
80.     A forma convencional de alcançar o castelo são como segue: “a águia afunda suas garras afiadas na carne tenra do jovem, mas ele aguentou a dor sem um som, e agarra os dois pés do pássaro com aas mãos. A criatura aterrorizada o ergue alto no ar e começa a circundar o castelo. O jovem se segura bravamente. Ele viu o palácio reluzente, que por raios pálidos da lua parecia com uma lâmpada turva. E ele viu as janelas e varandas da torre do castelo. Sacando uma faca de seu cinto, ele corta ambas as patas da águia. O pássaro ascende alto no ar com um grito, e o jovem cai levemente para uma varanda larga. No mesmo momento uma porta é aberta, e ele viu um pátio cheio de flores e árvores, e ali, a linda e encantada princesa” (O livro de fadas amarelo)5
81.     Eu tinha medo
82.     Eu tinha esquecido os bandaids.
83.     Quando a águia afundou suas garras afiadas em minha carne tenra—
84.     Eu deveria voltar pelos Bandaids?
85.     Mas se eu voltar pelos bandaids, eu teria que suportar o desprezo de meus conhecidos.
86.     Resolvi prosseguir sem os Bandaids
87.     “Em alguns séculos, a imaginação Del (o homem) tem feito da vida uma prática intensa de todas as energias mais encantadoras” (John Masefield)6
88.     A água afundou suas garras afiadas em minha carne tenra.
89.     Mas eu agüentei a dor sem um som, e segurei os dois pés do pássaro com minhas mãos.
90.     Os desentupidores de pias permaneceram no lugar, em ângulos-retos na lateral da montanha.
91.     A criatura aterrorizada me ergueu alto no ar e começou a circundar o castelo.
92.     Eu segurei bravamente.
93.     Eu vi o palácio reluzente, que pelos raios pálidos da lua parecia com uma lâmpada turva; e eu vi as janelas e varandas da torre do castelo.
94.     Sacando uma pequena faca do meu cinto, eu cortei ambos os pés da águia.
95.     O pássaro ascendeu alto no ar com um grito, e eu caí levemente em uma varanda larga.
96.     Ao mesmo tempo uma porta é aberta, e eu vi um pátio cheio de flores e árvores, e ali, o lindo símbolo encantado.
97.     Eu me aproximei do símbolo, com suas camadas de significado, mas quando eu encostei nele, ele mudou apenas para uma linda princesa.
98.     Eu joguei a linda princesa de ponta cabeça montanha abaixo para meus conhecidos.
99.     Podia-se contar com eles para lidar com ela.
100.  Nem são águias plausíveis, de modo nenhum, nem por um momento.

1.        Uma citação (provavelmente) espúria de uma pessoa (provavelmente) fictícia.
2.        Nomes escolhidos ou inventados aleatoriamente para representar fidalguia inglesa.
3.        Ex-presidente da frança. A citação é provavelmente espúria
4.        “Morte”
5.        Uma de uma série de coletâneas de contos de fadas editadas por Andrew Lang.
6.        Poeta tradicional inglês (1878-1967); tornou-se poeta laureado da Inglaterra em 1930.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Conselho a quem for ver The counselor

Ainda que eu tenha gostado bastante do filme, acho bastante compreensível certa recepção negativa ao filme The Counselor, dirigido pelo Ridley Scott e de roteiro do grande Cormac McCarthy. O título do filme no Brasil teve como tradução mei trash porém mercadologicamente compreensível “O conselheiro do crime”, tentando trazer para as bilheterias o público Goodfellas/Godfather/etc. Curiosamente, acho que esta transição do título inespecífico do original (talvez só pra mim com sonoridade meio bíblica, sei lá) para o equivocado porém (para o espectador médio, imagino) comercialmente atrativo pode mostrar um pouco dos porquês da má recepção do filme por parte da crítica: o movimento mercadologicamente direcionado existente nesta tradução barateadora aparece também em algumas recepções decepcionadas do filme, já que o filme aparece sendo criticado por fracassar na tentativa de ser aquilo que ele apenas aparenta tentar ser e que na verdade nunca almejou alcançar.

Parece ser um filme normal, mas não é, é um filme que o Cormac McCarthy escreveu. Talvez as pessoas tenham ido meio desavisadas diante do sucesso anterior do No Country for Old Men (que ainda que seja uma história de final bastante atípico, tem uma estrutura bem simples de perseguição, presente em vários outros filmes) e do sucesso comercial do livro The Road (que também tem suas estranhezas, mas é muito carregado pelo amor filial, tanto que foi pro clube-de-livro da Oprah e tudo mais), mas o filme nada mais é do que uma história que é de se esperar do Cormac McCarthy, o ser humano como esta mistura triste de brutalidade e impotência, amargura e desespero, insignificância e maravilhamento.

Não sei como que a obra foi mercadologicamente apresentada nos EUA, mas aqui (e tinha até propaganda nos televisores da praça de alimentação do shopping) a coisa era toda baseada no star-appeal do elenco, um esquema “com vocês, ator X, ator Y, atriz Z”, etc. Compreensível, uma vez que é um número considerável de nomes grandes, mas ao mexer com o reconhecimento dos atores acaba-se por reforçar uma busca por reconhecer o filme diante de vários outros aparentemente parecidos: o desavisado (ou engabelado) entra no cinema querendo ver um filme de crime, como tantos outros ótimos já feitos antes. Ainda que de fato se trate de crimes os acontecimentos principais do filme, não é deles que se fala. O que se fala é de maldade.

(a partir daqui, spoilers, ou ESTRAGÕES, na ótima tradução que vi por aí pelas internets. Falando sério, nesse filme nem faz diferença saber o que acontece)

Diferente dos filmes de crime, aqui não se acompanha um enredo e seus acontecimentos. A ação desses acontecimentos até aparecem na tela, mas sem muita explicação: entendemos (se não nos distraímos) as coisas vários minutos depois do que elas acontecem, e não durante, e nunca isso se dá pela ação dos protagonistas, que vão apenas sofrendo os efeitos do que aconteceu muito longe de seus dedos. Esvazia-se qualquer elemento de surpresa e suspense da coisa, o que é o feijão-com-arroz do filme de crime, e ressalta-se sempre a perplexidade (outro substantivo abstrato importante pra obra do McCarthy, pode botar na listinha dois parágrafos acima). Os acontecimentos vão fugindo (ainda que brevemente) da capacidade do espectador de acompanhá-los de forma comparável à maneira como o plano do protagonista vai se distanciando de seu controle.

(vamos comparar com o Breaking Bad, por exemplo, que trata muito de crime: acompanhamos cada reviravolta com o cuidado de estudiosos de xadrez diante de uma partida elucidativa. Qualquer mistério serve apenas para realçar o suspense e aumentar o efeito de uma posterior revelação. Nenhum entendimento posterior em The Counselor vem acompanhado daquele arrá agradável, e sim um “olha, eu acho que é isto...”, e mesmo um entendimento possivelmente equivocado do encadeamento dos eventos não faria tanta diferença para o principal do filme, que são os monólogos)

É um filme em que até acontece muita coisa, mas nunca por ação direta dos personagens principais. Eles não puxam o gatilho, e nem aparece eles tomando a decisão de mandar ou telefonando para mandar puxar o gatilho. Só recebem a notícia que deu tudo errado, e reagem fugindo. Além disso, o que eles fazem é falar uns com os outros sobre como o mundo é um lugar hostil e horrível. E na linguagem bizarra e pomposa do McCarthy.

A linguagem pomposa (coisas do tipo “você há de encontrar”, o que não é uma citação direta , mas a coisa segue nesse espírito) aparece nos romances dele na voz de um personagem particularmente marcado (como O Juiz Holden, no Blood Meridian) ou nas descrições de cenário, servindo de contraste com os diálogos majoritariamente lacônicos, de falas monossilábicas. Como no filme não vai ter narrador hiper-descritivo como no texto dos romances, e neste caso não há um personagem só que agregue valor de estranheza incomum (como o Chigurgh do No Country for Old Men), a coisa se dissemina, causando dissonância de verossimilhança na coisa, elemento particularmente importante se de novo retornarmos ao campo de expectativas do filme de crime. Como que este lorde das drogas mexicano vai conseguir falar tão incrivelmente a respeito da dor da perda, etc. Se abraçarmos a estranheza do filme como um todo, não nos distraímos com essa dissonância e aproveitamos de verdade a beleza de cada frase.

É um filme, portanto, a ser comparado não com os Goodfellas/Departed da vida, e sim com o filme anterior roteirizado pelo Cormac, o Sunset Limited. Eu li só umas duas ou três peças de teatro medievais durante minha graduação em Letras, então não sou qualificado para dar este qualificativo, mas li pelas internets a respeito de críticos descrevendo o Sunset Limited como uma peça medieval a respeito da alma humana, em que os personagens fazem pouco e discutem e ponderam muito. The counselor segue este caminho, também. Um filme para se ouvir o que se diz, e não tanto para acompanhar o que acontece.

Não para dizer que o filme é uma obra-prima incrível: é de fato um pouco arrastado (os livros dele são lentos, mas um livro lento pode ser lido num ritmo mais tranquilo enquanto o filme a lentidão cansa), com algumas cenas dispensáveis (como o diálogo sobre snuff films, ou a Cameron Diaz na igreja, querendo se confessar ao padre e estragando um pouco a graça do enigma da maldade ao falar um pouco do próprio passado). Visualmente, o filme é belíssimo, o que é previsível já que estamos falando do Ridley Scott, mas acho que a aparência do Barden e da Diaz caiu um pouco demais pro caricato, bandidos meio Disneyficados... para um filme sobre a maldade ter um visual tão ruim para os vilões e ainda conseguir se sustentar (mantendo longe os critérios de blockbuster que o filme mercadologicamente carrega consigo) é um poder surpreendente do texto.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Outro trecho do Middle C, William Gass

"The interruption was his mother's doing. Miriam could not understand Joey's attitudes and would not try to imagine why the prospect of Debbie's baby was not a cause for rejoicing and a feeling of fulfillment, as if some significant aim in life had been realized. Begetting was so inevitable, Joey thought, it was as routine as dying, consequently it could be safely left to nature, and otherwise ignored,(...). In due course people were born, in due course they managed to walk, they learned to talk, they attended school, they got a job, partied, married, had kids, sold stuff, bought more, overate, drank to be drunk, were relieved to be regular, labored in order to loaf, lived that way a spell - its passage sometimes stealing years - coasting down due's course - while they lost their hair, sight, hearing, teeth, the use of limbs, the will to live, until, in due course and as their diseases desired, they took to bed; they laughed their last; they said good-bye to the ones they said were loved ones- they curled up in a fist of aches - said good-bye to the ones they said were closest to them - complained about their care - said good-bye to the ones who came to kiss them off, said good-bye to comfort themselves with the sight of another's going, said good-bye while the designated goer complained, complained of neglect, complained of fear, complained of pain, and disinclied going, but would go, go over, cross Jordan, nevertheless. They uttered last words that no one could understand; they curled up like a drying worm; they cried to no avail because weeping begot only weeping, wailing was anwered with wails; they repented to no one in particular; they died as someone whose loss was likely to be felt no farther than the idler's door, and dying, quite often, in debt for a cemetary plot, the service of a funeral parlor, in the pursuit of a false ideal. Joey didn't see much to interest him in any of this. It was what was done between times that fascinated him, when due course was interrupted by dream or discovery, murder or music, though wars were, he had to admit, due course to a faretheewell. And he thought, mor and more, that death, assuredly dire, was also something due."