quarta-feira, 24 de julho de 2013

Algumas leituras

Reli esta semana o primeiro capítulo do Mãos de Cavalo, do Daniel Galera. Continua brilhante. Sete anos pra literatura é bem pouco tempo (olá, Camões), mas para a vida de um leitor jovem (claro, cada vez menos jovem) nem é tão pouco assim. Poucas experiências de leitura são piores do que uma releitura decepcionante, e 

Tem se tornado algo meio cool falar mal dele por conta de todo seu sucesso editorial, o que é certamente previsível, uma vez que o intelectual brasileiro já exibia características hipster antes de existir a palavra hipster (só lembrar da frase do Tom Jobim falando que o sucesso no Brasil é imperdoável), e mesmo que um lançamento ou outro dos mais recentes dele parecem contribuir um pouco para esta mini-multidão pisoteadora,  ainda acho aquele livro algo bastante incomum. Fiquei com vontade de reler, mas estou para fazer uma viagem meio longa e no momento preciso de livros demorados. 

(Tô indo levando o Gravity's Rainbow, que criminosamente (para um anglófilo fã do contemporâneo) ainda não li.)

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Falando em livros demorados, depois de alguns meses e certa insistência que só pode ser caracterizada como teimosia terminei o The Recognitions, do William Gaddis. Coisa horrível chegar ao fim de 950 páginas de um romance e se dar conta que será necessária uma segunda viagem por cada uma daquelas páginas para poder dizer algo minimamente substancioso sobre o livro. Só posso dizer que recomendo. Tem muita coisa confusa e obscura, sim, começa de um jeito, continua de outro, vira um terceiro, volta pro primeiro jeito, cria um quarto, repete o segundo, faz um outro a um ponto que você já perdeu a conta... é um bicho bem sui generis, mas também alguns trechos lindíssimos, inclusive uma expressão que por algumas horas foi título do meu romance que nunca fica pronto, "Refletindo luz de lugar nenhum".

Inclusive o post "Abre Aspas 7", em que cito da introdução do William Gass uma imagem maravilhosa de um órgão fazendo ruir uma catedral como ideal de romance é a cena final do romance do Gaddis.

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Uma das minhas primeiras reações, mesquinha e babaca, ao ouvir da existência do livro da Karen Green, o Bough Down, em que ela fala sobre o processo de luto em cima do suicídio do marido, é de que era uma aproveitadora/capitalizadora daquela desgraça, fazendo um livro em cima disso, cretina, etc. Pura estupidez, claro, primeiramente no plano monetário (já que o livro muito provavelmente não chegará às listas de best-seller) e também, mais importante, no plano do conteúdo mesmo, uma vez que quase toda boa literatura nasce de amarguras profundas, causada por um terrível evento ou pelo somatório de várias pequenas amarguras, o dilema já apresentado láááá em Aristóteles que uma desgraça transformada em arte por algum motivo redime ou pelo menos apresenta uma sensação de redenção, coisa que já é alguma coisa. O livro me chegou esta semana. É bem bonito. A parte das artes plásticas não me interessou tanto, talvez por eu ser neste assunto bem ignorante, mas algumas frases e momentos permaneceram comigo depois do livro fechado, como o médico falando pra ela "bem, ele não era tão perfeito assim pra você já que ele se matou, né?" ou "algumas almas são tão perdidas elas criam sua própria privacidade, elas não precisam de paredes", ou "não é tarefa de uma vida se tornar indestrutível". A cena inteira do policial perguntando por que ela cortou a corda em que ele estava pendurado e ela respondendo que era porque talvez, a dela indo visitar o farol com os pais dele... Não sei se é um livro que eu sairia recomendando por aí (talvez o interesse inteiro meu esteja no morto), mas que é bem escrito e bonito, é. Espero que ela esteja bem.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Paulo Scott e a Copa da Literatura Brasileira

Podem desconfiar de tudo que digo aqui, afinal, escrevi um dos textos do tal evento Copa da Literatura Brasileira. Pode-se, com provável má-vontade, resumir tudo isto que vou escrever aqui com "ele está apenas defendendo o seu", ainda que o que seria propriamente meu nisto tudo talvez não seja tão fácil de apontar.

Pré-requisitos para entender o post: saber que existe um evento chamado Copa da Literatura Brasileira, e que o Paulo Scott pediu para retirarem o livro dele, falando que é contra competições e etc. O primeiro dá pra descobrir o que é usando o google, e o segundo indo na página do Scott no Facebook. 

Preâmbulo importante 1: Habitante Irreal, romance do Scott, é um tremendo livro. Se não fosse o final um tanto apressado e estranho, seria sem dúvida um dos grandes romances da literatura brasileira (e não omito o contemporânea aqui por acaso).

Preâmbulo importante 2: Indiretamente, é devido ao próprio Paulo Scott a minha presença no evento da Copa. Quando li o romance dele, rascunhei algumas impressões (na milésima iteração da minha atividade favorita da época, o Fazer Qualquer Coisa Que Não Fosse Minha Dissertação) e enviei para o e-mail dele. Ele respondeu com atenção e entusiasmo incomuns (a maioria só responde aos meus e-mails chatonildos com uma linha ou duas de obrigado, como imagino que eu mesmo faria na situação deles), falando que eu deveria entrar em contato com cadernos culturais para escrever sobre literatura, me passando uma dúzia (sem exagero) de e-mails de contato. Dentre esses contatos estava o do Jornal Rascunho, que me aceitou para o serviço de resenhista-a-troco-de-exemplar-de-divulgação (um grande upgrade considerando meu status anterior, rabiscador-de-email-após-exemplar-comprado). Depois de fazer umas quatro ou cinco resenhas, fui chamado pela comissão para participar do evento. Além da admiração pelo ótimo romance (que, convenhamos, não é o tipo de coisa que aparece na literatura brasileira com tanta frequência) que ele fez, o Scott conta ainda com minha gratidão. Gostei muito de ser resenhista (ainda que brevemente, já que interrompi os serviços para escrever meu romance) e gostei muito de escrever esse texto pra Copa, que foi o texto crítico de minha composição que mais me deixou satisfeito, o que eu acho que mais consegui transmitir o que é Literatura para mim.

Relutei um pouquinho diante do convite de participar na Copa da Literatura. Eu já conhecia o evento de anos anteriores, e já tinha lido algumas das críticas/partidas. São de qualidade variável, mas que agrupamento neste mundo não é de qualidade variável? A coisa me parecia divertida e despretensiosa, mas, junto com Scott, a coisa da competição direta, frente-a-frente, me era incômoda. De tal modo que o texto que compus para o evento, feito há mais de um mês, abre justamente falando desta questão (em extensão exagerada, inclusive): como colocar um livro diretamente contra o outro, quando cada obra opta por si própria os parâmetros pela qual ela opera? Como comparar Machado de Assis com Guimarães Rosa, falar que falta neologismo no primeiro ou subversão bem-escondida no segundo? Falta pacto demoníaco no primeiro e falsos-cornos no segundo? Falar assim no seco que um é melhor que o outro não é uma forma meio exagerada (beirando o autoritário) de se dizer que se prefere um ao outro?

No entanto, o aspecto jocoso da coisa toda, colocado da maneira mais explícita possível (tem uma rodada de zumbis na parada, véi), a meu ver esvazia consideravelmente qualquer pretensão de objetividade. Inclusive, acho que o evento traz um pouco de humor e informalidade declarada a um campo que frequentemente se esforça para ser sempre o mais sisudo possível, a todos os momentos, talvez por tentativa de esconder a superficialidade de muito do que nele é dito. Quem nunca viu a cena de um cara tratando de botar a cara mais séria possível para dizer no fundo no fundo que não gostou do livro sem entrar em qualquer detalhe a respeito disso?

Outra coisa que me motivou a aceitar o convite é o mistério por trás da caixa de comentários desse evento: por algum motivo, talvez  por tentar juntar tudo com a coisa do futebol (onde todo mundo tem sempre uma opinião e sempre quer expressá-la), vejo nos anos anteriores que a caixa de comentários não ficam às moscas como ficam na maioria dos blogs sobre literatura, e o que aparece escrito nelas não é só um "mandou ver", "isso mesmo", etc. O pessoal aparece e opina mesmo, às vezes de maneira meio estúpida (afinal, estamos falando de internet, em que a morte de um panda na china pode fazer um cara nos comentários comentar ter vergonha de ser brasileiro), mas ainda assim é gratificante ouvir mais do que o eco da própria voz.

Interessantemente, coube a mim neste evento falar de um livro que recebeu o prêmio São Paulo de literatura e seus respectivos 200 mil reais, o vermelho amargo, do Bartolomeu Campos de Queiros. Lá na frente do exemplar do livro estava sua tarja azul anunciando o prêmio, dizendo melhor livro do ano, prêmio são paulo etc. Isto me ajudou a relativizar ainda mais (já tinha aceitado o convite) a ideia de que com o evento se impunha uma competição algo que não era competitivo. A própria ideia de prêmio literário já não seria uma espécie de aval de superioridade em relação aos não-premiados, aval que carrega ainda o peso da grana que vem junto com o título? Os tais duzentos mil reais do Premio São Paulo equivalem à vendagem de cerca de (imaginando aqui o autor recebendo 10% do valor de capa do livro) cinquenta mil cópias, número quase nunca (quase nunca meeeesmo) alcançado por qualquer livro de Literatura Séria no Brasil. O próprio Habitante Irreal, do Paulo Scott, ganhou (merecidamente) o prêmio da Biblioteca Nacional, e não os vários outros livros também inscritos pelas editoras para ganhar o prêmio. Se na copa da literatura a coisa da competição talvez fique um pouco mais absurda colocando os livros um-contra-um, diretamente, acho que a ausência de prêmio-em-dinheiro totalmente desproporcional às vendagens de literatura séria (que por si só já sobem um pouco por conta do prêmio) mais do que relativiza a ideia de que o que se faz com a copa é impor competição nas expressões de subjetividade e visões de mundo individuais que compõem a Literatura.

sábado, 13 de julho de 2013

Para que o blog não fique inteiramente às moscas, um poema que eu gostei muito

Continuing To Live (by Philip Larkin)

Continuing to live - that is, repeat 
A habit formed to get necessaries - 
Is nearly always losing, or going without. 
It varies. 

This loss of interest, hair, and enterprise - 
Ah, if the game were poker, yes, 
You might discard them, draw a full house! 
But it's chess.

And once you have walked the length of your mind, what
You command is clear as a lading-list.
Anything else must not, for you, be thought
To exist.

And what's the profit? Only that, in time,
We half-identify the blind impress
All our behavings bear, may trace it home.
But to confess,

On that green evening when our death begins,
Just what it was, is hardly satisfying,
Since it applied only to one man once,
And that one dying.