domingo, 11 de novembro de 2012

Abre aspas 6


Ainda estou na página 100 (final de semana de preguiça, como a maioria) mas estou gostando do Barba Ensopada de Sangue, do Daniel Galera:

(os diálogos não são marcados com travessão, estilo Cormac. É um pai falando com o filho sobre seu suicídio)

"Eu vou me matar amanhã.
Pensa sobre o que acabou de ouvir por um bom tempo, ouvindo a respiração descompassada sair em curtos disparos pelas narinas. Um cansaço imenso cai sobre seus ombros de repente. Enfia a foto do avô no bolso, seca as mãos na bermuda, se levanta e caminha em direção à porta da rua
Volta aqui.
Pra quê? O que tu quer que eu faça depois de ouvir uma merda dessas? Porque de duas uma, ou tu tá falando sério e quer que eu te convença a mudar de ideia, o que seria a pior sacanagem que tu já me fez na vida, ou tá tirando uma da minha cara, o que seria tão sem noção que prefiro nem descobrir agora. Tchau.
Volta, porra.
Fica parado ao lado da porta, olhando para trás, para o piso triste de lajotas de argila rosada separadas por listras de cimento, para a samambaia viçosa tentando escapar de um xaxim pendurado ao teto por finas correntes presas a um gancho, para a atmosfera perene de fumaça de charto que habita a sala com sua consistência invisível e cheiro adocicado e estranhamente animal.
Não tô brincando e não quero que tu me convença de nada. To te informando de uma coisaq ue vai acontecer.
Não vai acontecer nada.
Entende o seguinte. É inevitável. Decidi faz semanas num momento da mais pura lucidez. Eu tô cansado. Tô de saco cheio. Acho que começou com aquela cirurgia de hemorroida. No meu último checape o médico viu os exames e me olhou com uma cara de morte, de decepção por toda a raça humana. Tive impressão que ele ia se demitir da minha causa como se fosse um advogado. E ele tem razão. Tô começando a ficar doente e não tô a fim. Não sinto mais o gosto da cerveja, os charutos tão me fazendo mal e e não consigo parar, não tenho vontade nem de tomar Viagra pra fuder, não tenho nem a nostalgia de fuder. Essa vida é comprida demais e não tenho paciência. Viver depois dos sessenta, pra quem teve uma vida como a minha, é uma questão de teimosia. Respeito quem investe nisso, mas não tô a fim. Fui feliz até uns dois anos atrás e agora quero ir embora. Quem acha errado que viva até os cem se quiser, desejo sucesso. Nada contra."

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