sexta-feira, 31 de agosto de 2012

"Abre Aspas" - 2?

Um conto do DFW que por admiração infinita (e também uma dose de tédio vespertino) resolvi traduzir.


As encarnações de crianças queimadas - David Foster Wallace


O Papai estava na lateral da casa pendurando uma porta para o inquilino quando ele ouviu os gritos da criança e a 
voz da Mamãe subindo alto entre eles. Ele podia se mover rápido, e a sacada de trás dava para a cozinha, e antes da porta de tela ter batido atrás dele o Papai tomou a cena por inteiro, o pote virado no chão ladrilhado diante do fogão e a chama azul da boca do fogão e a poça d’água do chão ainda fumegante enquanto seus vários braços estendiam, e a criança pequena em sua fralda folgada rígida com vapor saindo de seu cabelo e seu peito e ombros escarlates e seus olhos virados para cima e a boca aberta bem larga e aparentando de alguma maneira separado dos sons que emitia, a Mamãe abaixada em um joelho com o pano de prato alisando despropositadamente ele e correspondendo os gritos com gritos dela mesmo, histérica que ela estava quase congelada. O joelho dela e os pequenos, despidos e macios pés estavam ainda na poça fumegante e a primeira ação do Papai foi tomar a criança embaixo dos braços e erguê-lo para fora da poça e leva-lo à pia, onde ele jogou fora os pratos e bateu na torneira para deixar agua de poço fria correr sobre os pés do garotos enquanto com sua mão em concha ele acumulava e derramava ou jogava mais água fria sobre sua cabeça e ombros e peito, querendo primeiro ver o vapor parar de sair dele, a mamãe sobre seu ombro invocado Deus até ele mandou ela atrás de toalhas e gaze se eles tivessem, o papai movendo rapidamente e bem e sua mente de homem vazia de tudo além de propósito , não ainda ciente de quão suavemente ele se moveu ou que ele parou de ouvir os gritos altos porque ouvi-los o congelaria e tornaria impossível o que tinha que ser feito para ajudar sua criança, cujos gritos eram regulares como respiração e continuaram por tão longo que eles se tornaram já uma coisa na cozinha, algo mais para se contornar velozmente. A porta lateral do inquilino se dependurava meio fora de sua dobradiça de cima e movia levemente no vento, e um pássaro no carvalho do outro lado da rua aparentava observar a porta com a cabeça inclinada enquanto os gritos ainda vinham de dentro. Os piores escaldos pareciam ser o braço direito e o ombro, o vermelho do peito e do estômago estava esmorecendo para um rosa embaixo da água fria e as solas macias dos pés não estavam com bolhas pelo que o Papai podia ver, mas a criança ainda fazia pequenos punhos e gritava exceto agora meramente no reflexo do medo que o Papai saberia pensar possível depois, rostinho distendido com veias fibrosas se destacando nas têmporas e o Papai continuava dizendo que ele estava ali, adrenalina diminuindo e uma raiva da Mamãe em permitir que isto acontecesse começava a se acumular em mechas no fundo extremo de sua mente ainda hours de expressão. Quando Mamãe retornou ele não tinha certeza se devia enrolar a criança na toalha ou não mas ele molhou a toalha e fez isto, embrulhando ele apertado e ergueu seu bebê da pia e colocou ele na beirada da mesa da cozinha para acalmá-lo enquanto Mamãe tentava verificar as solas do pé com uma mão abanando a área de sua boca e cochichava palavras despropositadas enquanto o Papai inclinou para dentro e ficou face a face com a criança na beirada da mesa repetindo o fato que ele estava lá e tentando acalmar os gritos da criança mas ainda a criança gritava ofegantemente gritava, um som alto, puro e brilhante poderia parar seu coração e seus lábios e gengivas pequeninos agora tingidos com o azul claro de uma chama baixa o Papai pensou, gritando como se ainda estivesse sob o pote virado em dor. Um minuto, dois desse jeito que pareciam muito mais, com a Mamãe ao lado do Papai falando e cantarolando ao rosto da criança e a cotovia no membro e a dobradiça esbranquiçando em uma linha do peso da porta inclinada até a primeira mecha de vapor subir preguiçosa por debaixo da bainha da toalha enrolada e os oolhos dos pais se encontrarem e alargarem – a fralda, que quando eles abriram a toalhae e inclinaram seu garotinho para trás no pano xadrez e desataram as abas amolecidas e tentaram retirar houve ligeira resistência com onovos e altos gritos e estava quente, a fralda de seu bebê queimou sua mão e eles viram a água real havia caído e empoçado e estivera queimando seu bebê esse tempo todo enquanto ele gritava por eles para ajuda-lo e eles não o fizeram, não pensaram e quando eles tiraram e viram o estado daquilo que estava lá a Mamãe disse o primeiro nome do Deus deles e agarrou a mesa para impedir seus pés enquanto o pai virou e socou o ar da cozinha com toda sua força e amaldiçoou tanto ele como o mundo não pela última vez enquantoo sua criança poderia agora estar dormindo se não pelo ritmo de seu respirar e os pequenos movimentos batidos de suas mãos no ar acima onde ele deitava, mãos do tamanho do polegar de um homem crescido que seguraram o polegar de Papai no berço enquanto ele olhava a boca de Papai mover em canção, sua cabeça inclinada e aparentando ver muito além dele para dentro de algo seus olhos tornavam o Papai solitário de uma maneira estranha e vaga. Se você nunca chorou e quer, tenha uma criança. Parta seu coração dentro irá a criança é a canção vibrante que Papai escuta de novo se a dona estava quase ali com ele olhando para a baixo para aquilo que eles fizeram, apesar de horas depois o que Papai mais não vai perdoar é o quanto ele queria um cigarro ali enquanto eles enfraldeavam a criança o melhor que podiam e gaze e duas toalhas de mão cruzadas e o Papai o ergueu como um recém-nascido com sua crânio em uma palma e correu com ele para a caminhonete quente e queimaram borracha customizada o caminho inteiro até a vila e o pronto-socorro da clínica com a porta do inquilino pendurada aberta daquele jeito o dia todo até a dobradiça abrir mas até lá era tarde demais, quando não parava e eles não conseguiam fazer parar a criança aprender a se deixar e assistir todo o resto desdobrar de um ponto por cima, e seja lá aqulio que foi perdido nunca mais desde então importava, e viveu sua vida devoluto, uma coisa entre coisas, a alma de si tanto vapor no ar, caindo como chuva e então ascendendo, o sol sobe e desce feito ioiô.

sábado, 25 de agosto de 2012

Abre aspas - Guerra aérea e literatura, W G Sebald


“No alto verão de 1943, durante um longo período de calor, a Royal Air Force, apoiada pela Oitava Frota Aérea dos Estados Unidos, fez uma série de ataques aéreos a Hamburgo. Apelidada de “Operação Gomorrha”, o objetivo dessa ação era aniquilar e incinerar a cidade da maneira mais completa possível. No ataque da noite de 28 de julho, que começou à uma hora da manhã, 10 mil toneladas de bombas explosivas e incendiárias foram descarregadas sobre a zona residencial intensamente povoada a leste do Elba, que engloba os bairros de Hammerbrook, NHamm Norte e sul, Billwerder Ausschlag, bemcomo parte de St. BGerog, Eilbek, Barmbek e Wandsbek. Seguindo um procedimento já experimentado, bombas explosivas de 4 mil libras despedaçavam inicialmente todas as janelas e as portas, arrancando-as dos caixilhos; com dispositivos incendiários leves, atingiam-se então os sótãos, ao mesmo tempo em que bombas incendiárias com um peso de até quinze quilos penetravam nos pavimentos mais profundos. Dentro de poucos minutos, em toda a área atacada – cerca de vinte quilômetros quadrados – queimavam fogueiras gigantescas que iam se juntando em tal velocidade que, quinze minutos após o lançamento das primeiras bombas, todo o espaço aéreo formava um mar de chamas contínuo, até onde se podia enxergar. E, cinco minutos depois, à 1h20, se ergueu uma tempestade de fogo com uma intensidade que nenhum ser humano teria imaginado possível até aquele momento. Chamejando por 2 mil metros céu adentro, o fogo arrebatava o oxigênio com tamanha violência que as correntes de ar atingiram a força de um furacão, e trovejavam como órgãos poderosos cujos registros tivessem sido acionados ao mesmo tempo. Esse incêndio durou três horas. No seu ponto culminante, a tempestade levantou frontões e telhados de casas, revirou pelo ar vigas e outdoors inteiros, arrancou árvores do solo e açoitou as pessoas em fuga como se fossem tochas vivas. Por trás de fachadas que desmoronavam, as chamas atingiam a altura dos prédios, rolando pelas ruas como uma torrente numa velocidade superior a 150km/h, e rodopiando em ritmos bizarros pelos espaços abertos, como cilindros de fogo. Em alguns canais a água incandescia. Nos vagões dos bondes, as janelas de vidro derretiam; o estoque de açúcar fervia nos porões das confeitarias. Os que fugiam de seus abrigos caíam em contorções grotescas no asfalto dissolvido, que rompia em volumosas bolhas. Ninguém sabe ao certo quantos morreram nessa noite ou quantos enlouqueceram antes que a morte os atingisse. Quando a manhã despontou, a luz do sol não atravessava a escuridão de chumbo sobre a cidade. A fumaça subira até uma altura de 8 mil metros e lá se expandira como uma gigantesca nuvem cúmulo-nimbo em forma de bigorna. Um calor latejante, que os pilotos dos bombardeiros relatarem ter sentido através da fuselagem de suas aeronaves, foi exalado ainda por muito tempo pelas montanhas de escombros fumegantes em brasa. Bairros residenciais com uma malha de ruas totalizando duzentos quilômetros estavam completamente arrasados. Por toda parte  havia corpos terrivelmente desfigurados. Em alguns ainda tremeluziam as chamas azuladas do fósforo, outros, assados, apresentavam uma cor marrom ou púrpura e tinham minguado a um terço de seu tamanho natural. Jaziam encolhidos nas poças de sua própria gordura já parcialmente resfriada. Em agosto, depois do arrefecimento dos escombros, quando as brigadas de prisioneiros e internos dos campos de concentração puderam dar início aos trabalhos de desobstrução no interior da zona da morte-  decretada área interditada logo nos dias seguintes ao ataque-, forma encontradas pessoas que, arrebatadas pelo monóxido de carbono, se encontravam sentadas à mesa ou apoiadas na parede; em outros lugares, havia pedaços de carne ou montes inteiros de corpos escaldados pela argua fervente lançada pelas caldeiras que explodiram. Outros, por sua vez, foram carbonizados e reduzidos a cinzas pela brasa que atingira a temperatura de mais de 1000c, a tal ponto que os restos mortais de famílias inteiras podiam ser retirados em um único cesto de roupa.
- Guerra aera e literatura, páginas 31-34 [tradução de Carlos Abbenseth e Frederico Figueiredo]

Sobre isto

Mais um blog sobre literatura, dez anos atrasado no zeitgeist.

Aqui vou colocar alguns textos de ficção e não-ficção, coisas que venho produzindo, pensando, ruminando, etc etc. Não sei ainda com que regularidade vou colocar mais coisas aqui.

Sobre a minha pessoa, Breno Kümmel: Moro em Brasília.
Nasci em 1986.
Em 2006 publiquei do meu bolso um livro de contos, Estrada de Espelhos. Ainda tenho alguns guardados, se tiver interesse em adquirir uma cópia é só me mandar um e-mail: breno_k[arrôba]yahoo[pônto]com (sem br).
Em 2012 defendi minha dissertação sobre a relação entre literatura brasileira e ditadura militar na UFMG (de novo, se alguém quiser ler, me manda um e-mail).
Em 2075 (na verdade provavelmente bem antes, considerando o histórico genético) estarei morto.
Mas enquanto isto...